quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O despertar do taxista

Aroldo acordou sobressaltado, eram seis da manhã, olhou para o despertador e constatou que mais uma vez o aparelho não funcionou. Estava outra vez atrasado e às pressas saiu de casa com um pedaço de pão numa mão e na outra a chave do carro. Desde o início do mês, esse era seu ofício: dirigir um táxi.

Mesmo sofrendo com a escala de 24 horas dentro do carro, dia sim, dia não, Aroldo conhecia bem as vias da metrópole e era um exímio motorista. O rapaz de quase trinta anos formou-se em engenharia e sempre adorou dirigir, mas nunca havia passado por sua cabeça trabalhar num táxi. No entanto, desempregado por meses, a proposta do primo Juarez, taxista veterano e que por motivos de saúde precisou se aposentar, veio na hora certa.

Era manhã de inverno e Aroldo chegou até a Praça da República, seu ponto no centro da cidade. Logo ao estacionar a Paraty de Juarez foi abordado por um senhor grisalho, aparentando uns sessenta anos de idade que entrou no carro sem dizer uma só palavra.

- Bom dia, Senhor! Disse Aroldo observando pelo retrovisor o homem sério e quieto.

- Bom dia. Respondeu o passageiro com a voz baixa.

- Aonde vamos? Indagou o taxista.

- Não sei ao certo, estou sem destino. Toca aí... Disse o senhor.

Mesmo achando inusitado o pedido, Aroldo deu partida e lentamente entrou com o carro na avenida já repleta de veículos. O barulho do trânsito tomava conta do ambiente. Lá fora a cidade estava viva. Pessoas atravessando as vias, motociclistas ultrapassando os carros, ônibus lotados seguiam seu itinerário. No meio de tantas sirenes, apitos, fumaça, aquilo já era como música na rotina do taxista, uma sinfonia louca.

Após minutos de silêncio absoluto dentro do carro, Aroldo ouve um choro profundo e em seguida um desabafo:

- Amo esta cidade! Acordei cedo e fiquei na praça, sentindo este cheiro cinza que me pertence e ao qual pertenço. Estou de partida, me mudarei para o interior com minha filha e só quis contemplar esta paisagem, como uma despedida. Entrei no seu táxi porque começou a garoar e já garoava dentro de mim. Sempre vivi aqui, me fiz na dureza da selva de pedra, amigos, família, batalhei por uma profissão, trabalhei, sofri, fui feliz. Tudo lá fora é o resumo do que fui, do que sou e do que sempre serei... Disse com a voz embargada.

Aroldo ouviu e guiou. Levou aquele homem pelos pontos do velho centro da cidade e percebeu que nunca havia observado a beleza deste caos, da mistura de sortes, sotaques, sorrisos e sofrimentos. Fitava sempre os prédios, a estrutura física, a imponência do concreto, a loucura do trânsito, mas nunca olhava para as pessoas, exatamente as mesmas que, como o ilustre sexagenário a bordo, constroem, zelam, suportam, embelezam, sofrem e usufruem da cidade. As pessoas tinham sido até, então, meros figurantes para Aroldo.

Naquele momento, o engenheiro taxista resolveu tirar o dia de folga e junto com seu passageiro rodou horas por aquele cenário. O passageiro contou estórias de um tempo remoto da cidade, fatos históricos e pessoais e falou da saudade que iria sentir longe dali.

Aroldo começou a sentir um pouco mais de si e do que é a cidade de São Paulo e percebeu a importância que há na relação das pessoas com o espaço que habitam. Coisa que raramente se aprende na faculdade e, que, a partir daquela corrida, despertou o olhar do taxista.

Danyelle Nery Ramos - DDRH/UFG

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