segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DECEPÇÃO E LÁGRIMAS

Há muitos anos atrás uma experiência desagradável deixou-me traumatizado com a palavra “revista”. Tudo começou, quando minha professora primária falou-nos sobre tal revista que ela iria nos dar na sexta-feira seguinte, ou seja, daí a três dias. Ela pediu que todos nós avisássemos nossos pais sobre o que iria acontecer e que comparecêssemos todos limpinhos e preparados para receber a revista. Quando eu voltei para casa, fui saltitando de tanta alegria e com vontade de contar logo a novidade para minha mãe. Chegando à minha rua, fui logo avistando a minha casa, era amarela e já estava muito desbotada com o passar dos anos, as portas e as janelas, de madeira rústica, estavam corroídas pela ação do tempo. Na porta, deitado sobre a terra, estava o meu cachorro, o Furreca, um vira-lata prá lá de amigo. Entrei correndo pela porta dos fundos e logo avistei minha mãe fazendo a comida no fogão à lenha, cujo cheiro bom resplandecia pelo ar.
_ Mãe, eu vou ganhar revista da minha professora, ela pediu pra avisar a senhora e o meu pai. Pediu pra irmos limpinhos e arrumados na sexta-feira.
_ É mesmo filho? Ela falou que tipo de revista? Tomara que seja igual a da dona Tereza, a modista, com muita figura colorida.
_ Pode deixar mãe, que eu vou pedir uma dessas pra senhora e te darei de presente.
E todo eufórico fui para o meu trabalho. Eu ganhava a vida como engraxate no centro da cidade. Eu fui logo contando a boa nova pra todos os meus clientes que apareceram naqueles dias que antecederam o fatídico dia. Todos eles me davam tapinhas no ombro como que me parabenizando.Quando chegou o dia eu me arrumei todo, tomei banho e usei até um poço da água de colônia, de minha mãe, atrás das orelhas.Na sala de aula a professora pediu que ficássemos em silêncio que iria começar o que ela prometera. Eu estava sentado no primeiro banco da fila, perto da porta e fiquei espiando lá fora para ver as revistas que iriam chegar. Tão concentrado eu estava que não escutei minha professora me chamar.
_Joaquim, venha cá!
Eu levantei e fui até ela que sem nada dizer colocou as mãos na minha cabeça e começou a mexer nos cabelos como se procurasse alguma coisa escondida ali. De repente, ela parou e de forma enérgica falou: eu não disse para se preparar para a revista hoje? Em seguida chamou dona Rosa, uma auxiliar da escola, que me pegou pelo braço levando-me até o banheiro e lá colocou minha cabeça debaixo de uma torneira de água fria e começou a ensaboar meu cabelo, com um sabonete de cheiro ruim e muito forte, era o tal mata piolho. Entre lágrimas e muita decepção, voltei para a minha humilde casa, sem levar a revista que minha mãe tanto queria.

Anay Borges de Sousa - FF/UFG

Um comentário:

  1. Anay, que texto interessante! Gostei muito, fez-me parecer bem familiar.Parabéns

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