quarta-feira, 7 de outubro de 2009

S(C) em virtudes no semáfafo

Ontem, estive morto. Renasci esta madrugada, para matar-me novamente amanhã. Uma Fênix sem cinzas. Agora, exatamente agora, nego-me a dormir. Deixo o sono atormentar-me, até ludibriar minhas últimas resistências. Creio que a recusa em dormir esteja justificada por meu apego à noite. Como é bela a noite! Sempre preparando um novo dia, acalentando as ruas, reavivando as energias. Tudo para que, ao nascer do sol, as buzinas possam nos azucrinar. A noite quase não tem buzinas. Quando às ouço, consigo distingui-las facilmente. O dia é ensurdecedor... as buzinas são todas iguais... todas iguais.
Essa noite, já delirei com as aventuras dos embarcados no gra(n)ma, sonhei com as reviravoltas do lúmpen e duvidei dos lobos de Hobbes. Hoje, minha única esperança é achar a resposta em que não exista mais nenhuma esperança. Seria a confirmação de meus tormentos e minha certeza final em forma de dúvida. Em meu último cochilo, consegui compreender o cavalo Senador de Calígula, a inquietude de Sócrates e a contradição de Napoleão. Não sei se devo contar-lhes sobre essas coisas. Apaziguar a fúria da juventude é ser impiedoso com os que sonham. Não lhes jogarei água fria enquanto dormem, mas deixarei que acordem tarde e saiam sem lavar os rostos. Amanhã, terei um pouco mais de minha escravidão remunerada. Despertador, pão, café, ponto, ordem, desordem, ordem. Em verdade, não posso queixar-me do salário. Não que seja considerável. Não me resta tempo para que o gaste. Em nada adiantaria fosse muito. Ao anoitecer, mais uma daquelas aulas chatas que assisto há uns 20 anos consecutivos. Eles ensinam que todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros. Ensinam que devo-me acochambrar nas tetas do Estado e constituir uma família feliz, de preferência com uma loira de belos dentes. Ensinam o culto à vaidade. Alienados... creio já ter passado da idade. Vou-me embora e retomo contato com a noite. Acho que ficarei um pouco mais acordado, imaginando algo para acreditar.
Logo à minha frente vejo o semáforo de minha rua. Aparentemente ele é perfeito, exato, impessoal e democrático. Eu acredito no semáforo. Também acredito no elevador. Pensando bem, creio apenas no elevador, pois o semáforo é um pouco mentiroso... Ele inventa uma tal de luz laranja que não significa pare ou avance. Foge à lógica medial da virtude aristotélica. Caso minha afirmação fosse anátema, deveríamos aguardar sempre o sinal laranja para iniciar a travessia. Talvez seja apenas meu desânimo com o verde, ou minha frustração com o vermelho. Prefiro o preto, o lado escuro da lua. Na verdade, não existe lado escuro da lua. A lua é toda escura.
No meu prédio – que não é meu – admiro a imponência de 22 andares. Aperto o 11, que é o meu andar. Todas as noites, ao chegar em casa, obtenho a mesma conclusão. O elevador me conduz a um meio termo objetivo. Eu acredito no elevador!
Tiago Felipe de Oliveira - INF/UFG

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